Slogans institucionais como “Braga Cidade Autêntica”, “Leiria: onde o futuro passa” ou “Aqui Nasceu Portugal” (Guimarães) resultam de estratégias públicas para afirmar identidades e atrair investimento ou turismo. Já expressões como “Cidade-Jardim” (Viseu), “A mais portuguesa das aldeias” (Monsanto) ou “Capital das Ondas Gigantes” (Nazaré), ainda que adotadas oficialmente, nasceram muitas vezes de reconhecimentos informais e culturais. Aqui importa distinguir: uma frase popular é espontânea, nasce do uso social e do reconhecimento das pessoas. Já um slogan institucional é deliberado, lançado com objetivos concretos de marketing e planeamento territorial.
A frase “Vila de Reis e Pescadores”, associada a Cascais, pertence claramente à primeira categoria. Não resulta de uma campanha oficial, mas do reconhecimento da sua história única: uma vila marcada pela presença de famílias reais (espanhola, italiana, britânica e bulgara) – como a do rei D. Carlos I, que ali veraneava e se dedicava à pesca e à investigação oceanográfica – e por uma forte tradição piscatória, visível na antiga lota, na vida na baía e nas Festas do Mar, profundamente ligadas à cultura do mar.
Esta frase, enraizada no imaginário local, tornou-se um símbolo identitário forte. Mas é precisamente por isso que a realidade atual de Cascais causa desconforto – e, em muitos casos, frustração.
A desconexão entre a imagem e o território
Hoje, o que resta da vila de pescadores e da vila régia? A lota está encerrada, o centro histórico invadido por comércio genérico e descaracterizado, e as ruas frequentemente fechadas para eventos internacionais como o Ironman ou maratonas, que afastam os residentes e não promovem qualquer identidade local. As Festas do Mar, que antes celebravam a ligação ao oceano e à fé dos pescadores, tornaram-se um palco de concertos descontextualizados, que pouco dignificam a tradição. O betão tomou o lugar do encanto, e a vila, outrora singular, perdeu parte da sua alma.
A ausência de uma estratégia de marketing territorial
Marketing territorial não é publicidade nem calendário de eventos. É uma abordagem estratégica que cruza urbanismo, património, cultura, economia local e participação cidadã. Serve para reforçar a identidade de um lugar, valorizando o que o torna único – e promovendo isso de forma sustentável e coerente.
Cascais, apesar da sua visibilidade mediática e dos eventos que acolhe, não tem uma estratégia clara de marketing territorial. A frase “Vila de Reis e Pescadores” está presente na memória coletiva, mas não está refletida na prática de gestão do território. Não há plano consistente de valorização da herança marítima ou dos vestígios reais. Não há salvaguarda do comércio tradicional, nem critério urbanístico que proteja a paisagem construída e simbólica da vila.
Um futuro digno da sua história
Recuperar essa identidade não é impossível. Passa por medidas simples mas estruturantes: reabrir (ou recriar) uma lota simbólica, promover a gastronomia ligada ao mar e à tradição, requalificar os espaços públicos com critério, repensar os eventos à luz da história local, e devolver a Cascais o que lhe pertence: a autenticidade.
A frase “Vila de Reis e Pescadores” é mais do que um rótulo turístico – é um espelho daquilo que Cascais foi e ainda pode ser. Mas sem ação concreta, continuará a ser apenas isso: uma frase bonita, desligada de um território cada vez mais descaracterizado.