Num mundo cada vez mais globalizado e visual, o passaporte é mais do que um documento técnico: é um emblema de soberania, pertença e identidade cultural. É o único objeto gráfico que acompanha os cidadãos para lá das fronteiras físicas e que, ao ser apresentado, representa um país inteiro. Neste contexto, perguntei-me: como pode o design de um passaporte transmitir a riqueza do território português de forma sensível, autêntica e diferenciadora?
A resposta surgiu da convergência de três das minhas paixões: design, arte e cartografia.
A proposta: arte, fauna e cartografia para contar Portugal
O conceito desta proposta parte da valorização da identidade territorial portuguesa, expressa através de ilustrações manuais em tinta-da-china, produzidas por mim, e da utilização de elementos cartográficos que reforçam a leitura geográfica e simbólica do território nacional.
A representação dos animais foi pensada com especial cuidado: cada espécie escolhida carrega um significado ecológico, geográfico e cultural.

- Espécies em risco de extinção, como o lince-ibérico e a foca-monge, representam a urgência da preservação e a riqueza natural de ecossistemas como a Serra da Malcata ou a costa selvagem da Madeira.
- Animais intimamente ligados à cultura portuguesa, como a andorinha (símbolo de regresso, lar e afeto) e a sardinha (ícone gastronómico e popular), evocam o património imaterial e afetivo do país.
Para além da fauna, integrei elementos cartográficos do território português — não apenas do espaço continental, mas também das regiões autónomas e do domínio marítimo. Esta dimensão azul, tantas vezes esquecida, reforça a nossa identidade atlântica e insular, projetando Portugal como um país ligado ao mar, à biodiversidade oceânica e à diáspora.

Marketing territorial e o poder dos símbolos
Esta proposta não é apenas uma peça gráfica: é um exercício de design territorial, onde o foco está em criar uma narrativa visual que reforce a identidade coletiva, valorize a biodiversidade e diferencie Portugal no panorama internacional.
No marketing territorial, sabemos que os símbolos são estratégicos. Eles ativam sentidos, comunicam valores e posicionam o território. O uso consciente de animais emblemáticos, mapas e técnicas artísticas manuais é uma forma de incorporar a autenticidade no centro da experiência visual do passaporte.
Além disso, o uso de tinta-da-china e traço manual foi uma escolha deliberada para reforçar o caráter humano e artístico da proposta — uma alternativa à tendência crescente de soluções digitais genéricas, que muitas vezes ignoram a especificidade cultural e visual dos territórios que pretendem representar.

Passaporte como objeto de comunicação e storytelling
O passaporte, na minha visão, pode ser um veículo de storytelling territorial — uma peça gráfica que transmite, de forma subtil mas poderosa, os valores do país, a sua diversidade natural, a memória coletiva e a contemporaneidade da sua expressão visual.
Ainda que esta proposta não tenha seguido para produção, acredito que projetos como este demonstram como o design pode funcionar como ponte entre estratégia, cultura e identidade.
Trata-se, afinal, de criar sentido e pertença — e de mostrar que Portugal é feito não só de monumentos e paisagens, mas também de símbolos vivos, memória ecológica e identidade desenhada à mão.

Em defesa de um design com raízes
Num tempo em que se fala tanto de “marca-país”, esta proposta é também uma pequena manifestação gráfica de algo maior: a necessidade de construirmos narrativas visuais com alma e substância, que representem quem somos e onde estamos.

Porque, no fundo, o território não se mede apenas em fronteiras ou quilómetros quadrados. Mede-se nas histórias que escolhemos contar — e nos símbolos que escolhemos carregar.

