Proposta de Passaporte Português 2025

Em 2025, apresentei uma proposta ao concurso público para o novo design do passaporte português. Apesar de não ter sido a proposta vencedora, acredito que o processo criativo em torno deste trabalho merece ser partilhado — não apenas como exercício de design gráfico, mas como contributo para uma reflexão mais ampla sobre como o território pode ser comunicado através da arte e dos símbolos

Num mundo cada vez mais globalizado e visual, o passaporte é mais do que um documento técnico: é um emblema de soberania, pertença e identidade cultural. É o único objeto gráfico que acompanha os cidadãos para lá das fronteiras físicas e que, ao ser apresentado, representa um país inteiro. Neste contexto, perguntei-me: como pode o design de um passaporte transmitir a riqueza do território português de forma sensível, autêntica e diferenciadora?

A resposta surgiu da convergência de três das minhas paixões: design, arte e cartografia.

A proposta: arte, fauna e cartografia para contar Portugal

O conceito desta proposta parte da valorização da identidade territorial portuguesa, expressa através de ilustrações manuais em tinta-da-china, produzidas por mim, e da utilização de elementos cartográficos que reforçam a leitura geográfica e simbólica do território nacional.

A representação dos animais foi pensada com especial cuidado: cada espécie escolhida carrega um significado ecológico, geográfico e cultural.

  • Espécies em risco de extinção, como o lince-ibérico e a foca-monge, representam a urgência da preservação e a riqueza natural de ecossistemas como a Serra da Malcata ou a costa selvagem da Madeira.
  • Animais intimamente ligados à cultura portuguesa, como a andorinha (símbolo de regresso, lar e afeto) e a sardinha (ícone gastronómico e popular), evocam o património imaterial e afetivo do país.

Para além da fauna, integrei elementos cartográficos do território português — não apenas do espaço continental, mas também das regiões autónomas e do domínio marítimo. Esta dimensão azul, tantas vezes esquecida, reforça a nossa identidade atlântica e insular, projetando Portugal como um país ligado ao mar, à biodiversidade oceânica e à diáspora.


Marketing territorial e o poder dos símbolos

Esta proposta não é apenas uma peça gráfica: é um exercício de design territorial, onde o foco está em criar uma narrativa visual que reforce a identidade coletiva, valorize a biodiversidade e diferencie Portugal no panorama internacional.

No marketing territorial, sabemos que os símbolos são estratégicos. Eles ativam sentidos, comunicam valores e posicionam o território. O uso consciente de animais emblemáticos, mapas e técnicas artísticas manuais é uma forma de incorporar a autenticidade no centro da experiência visual do passaporte.

Além disso, o uso de tinta-da-china e traço manual foi uma escolha deliberada para reforçar o caráter humano e artístico da proposta — uma alternativa à tendência crescente de soluções digitais genéricas, que muitas vezes ignoram a especificidade cultural e visual dos territórios que pretendem representar.


Passaporte como objeto de comunicação e storytelling

O passaporte, na minha visão, pode ser um veículo de storytelling territorial — uma peça gráfica que transmite, de forma subtil mas poderosa, os valores do país, a sua diversidade natural, a memória coletiva e a contemporaneidade da sua expressão visual.

Ainda que esta proposta não tenha seguido para produção, acredito que projetos como este demonstram como o design pode funcionar como ponte entre estratégia, cultura e identidade.
Trata-se, afinal, de criar sentido e pertença — e de mostrar que Portugal é feito não só de monumentos e paisagens, mas também de símbolos vivos, memória ecológica e identidade desenhada à mão.


Em defesa de um design com raízes

Num tempo em que se fala tanto de “marca-país”, esta proposta é também uma pequena manifestação gráfica de algo maior: a necessidade de construirmos narrativas visuais com alma e substância, que representem quem somos e onde estamos.

Porque, no fundo, o território não se mede apenas em fronteiras ou quilómetros quadrados. Mede-se nas histórias que escolhemos contar — e nos símbolos que escolhemos carregar.

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Sérgio Marques, especialista em Design Gráfico, Branding e Marketing Territorial

Sérgio Marques

Sérgio Marques possui mestrado em Gestão do Território e Urbanismo pela Universidade de Lisboa (IGOT), com uma dissertação na área de Marketing Territorial. Ao longo da sua carreira, adquiriu uma vasta experiência no desenvolvimento de projetos nas áreas de consultoria de marketing e design gráfico, tanto no setor privado como na administração pública. Trabalhou com o IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto), o IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais) e desenvolveu o emblema e identidade visual do CD Santa Clara dos Açores, além de ter colaborado com o Centro Nacional de Cultura. A sua abordagem estratégica alia criatividade e funcionalidade, refletindo-se em identidades visuais, campanhas de marketing e soluções de design que contribuem para a promoção e valorização de territórios e marcas. Além da sua experiência em marketing e design, Sérgio também é artista plástico, tendo participado em diversas exposições e bienais, e possui o curso de pintura nível III da Sociedade Nacional de Belas Artes. A sua paixão pelo design e pelas artes é uma extensão natural da sua visão, procurando sempre criar peças que unam estética e propósito.

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