Queluz: do Palácio Real à realidade esquecida – contributo para uma reflexão sobre o marketing territorial e a identidade urbana

Há mais de uma década, escrevi uma dissertação de mestrado sobre Queluz — não apenas sobre o seu património, mas sobre o seu potencial enquanto território com identidade, história e comunidade. Defendia, então, que o marketing territorial começa dentro de casa: com os residentes, com os actores locais, com as ruas onde se vive todos os dias. E que, só depois, se pode pensar em atrair visitantes, investimento ou atenção.

Hoje, revisitar Queluz é assistir ao esvaziamento progressivo de uma cidade com alma. O Palácio Nacional continua a ser um marco barroco único, mas à sua volta, a cidade tornou-se num dormitório, com espaços públicos desactivados, comércio enfraquecido e um sentimento de pertença em erosão constante.

Em 2013, no âmbito do Mestrado em Gestão do Território e Urbanismo pelo IGOT – Universidade de Lisboa, elaborei a dissertação “Marketing Aplicado ao Território: o estudo de caso de Queluz”, um trabalho que procurava contribuir para a compreensão e operacionalização de estratégias de marketing territorial em contextos urbanos periféricos. A escolha de Queluz como objeto de estudo foi tudo menos arbitrária: uma cidade com um património histórico notável — onde se destaca o Palácio Nacional e os seus jardins — mas simultaneamente marcada por uma crescente desidentificação dos seus próprios habitantes e por uma imagem cada vez mais suburbana.

Na altura, defendi que:

“Um território para ser atractivo tem que satisfazer os seus actores locais (marketing territorial interno) e só depois projectar as suas potencialidades (marketing territorial externo).”

Com base nessa lógica, o estudo propunha que Queluz se concentrasse na sua oferta territorial, promovendo mecanismos que permitissem aos actores locais tirar o melhor proveito dos seus atributos e potencialidades. Apenas com este trabalho de base se poderia construir um marketing territorial interno eficaz.

Citando Ancarani (1996), refleti sobre a importância de distinguir entre o marketing dirigido aos agentes internos e o voltado para públicos externos. Segundo o autor, o marketing territorial deve ser entendido como:

“a análise das necessidades dos agentes e dos clientes e mercados, no sentido de construir, manter e reforçar relações de troca vantajosas com os agentes (marketing territorial interno) e com os potenciais públicos externos (marketing territorial externo).”

O objetivo final seria criar um ciclo virtuoso — “satisfação – atractividade – valor” — onde a satisfação dos actores locais reforçaria a atractividade externa, e vice-versa.

A passagem do tempo vem, infelizmente, confirmar algumas das preocupações deixadas em 2013. A cidade de Queluz, longe de afirmar a sua identidade territorial, parece ter aprofundado a sua condição de dormitório, com sinais visíveis de desvalorização urbana e social.

Na conclusão da dissertação, escrevi:

“Actualmente, as acções de marketing desenvolvidas por parte das entidades autárquicas que administram Queluz são descoordenadas, quer a nível de comunicação, quer a nível de interacção com os actores. (…) A Câmara Municipal de Sintra, sendo o órgão máximo na gestão do território, ao dar prioridade quase exclusiva à promoção da marca Sintra, é um entrave ao desenvolvimento do marketing territorial em Queluz.”

Com este contributo, não pretendo fazer uma crítica destrutiva. Muito pelo contrário: partilho esta reflexão na expectativa de que ainda seja possível resgatar Queluz como um território com alma, memória e futuro. Acredito que o reforço do marketing territorial interno — através de políticas públicas integradas, proximidade institucional, eventos de qualidade (que relacionam a sua história), revalorização do património simbólico e envolvimento da comunidade — poderá ainda inverter o rumo.

Queluz merece mais do que ser uma sombra da sua história. Merece ser território com voz própria no seio de um concelho diverso.

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Sérgio Marques, especialista em Design Gráfico, Branding e Marketing Territorial

Sérgio Marques

Sérgio Marques possui mestrado em Gestão do Território e Urbanismo pela Universidade de Lisboa (IGOT), com uma dissertação na área de Marketing Territorial. Ao longo da sua carreira, adquiriu uma vasta experiência no desenvolvimento de projetos nas áreas de consultoria de marketing e design gráfico, tanto no setor privado como na administração pública. Trabalhou com o IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto), o IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais) e desenvolveu o emblema e identidade visual do CD Santa Clara dos Açores, além de ter colaborado com o Centro Nacional de Cultura. A sua abordagem estratégica alia criatividade e funcionalidade, refletindo-se em identidades visuais, campanhas de marketing e soluções de design que contribuem para a promoção e valorização de territórios e marcas. Além da sua experiência em marketing e design, Sérgio também é artista plástico, tendo participado em diversas exposições e bienais, e possui o curso de pintura nível III da Sociedade Nacional de Belas Artes. A sua paixão pelo design e pelas artes é uma extensão natural da sua visão, procurando sempre criar peças que unam estética e propósito.